AUTORRETRATO



"Nasci sob o império dos números ímpares. O dia: 21. O mês: 7. O ano: 51. A hora: 11 da noite. Sou do interior de Minas, dos altos do Paranaíba de chapadões e planaltos. A cidade é São Gotardo. Mas sou do mundo. Deleito-me com água na boca pelas trilhas e rastros de povos, línguas, artes, culturas em suas legítimas diferenças. Já corri mundo e já corri perigo, desde bem jovem. Hoje viajo nos barcos da imaginação. Não sou motorista. Entre o carro e a flauta, viajo flautista. Só dirijo mesmo os meus sapatos náuticos. Neles, nesses sapatos filosóficos de navegações em terra, moram os meus pés escreventes, pés de andar a esmo e sem governo pelas cidades que existem dentro das cidades. Escrevo desde o final da infância/começo da adolescência. Primeiro: poesia. Depois: ficção. Mais adiante: poesia e ficção. Hoje não dou a mínima para os gêneros e gosto da cópula entre a linha que é o verso e o parágrafo que é a ficção. Sei fazer livros à mão, pela minha Edições 2 Luas. Nesses livros artesanais, gosto de mergulhar pelos mistérios das lentidões e do fazer sem pressa. Pessoas de Romance é a expressão que aplico a meus interlocutores em sombras, figuras de boa conversa e amável convivência, escreventes quando querem e quando necessitam, pois a escrita, para eles, é da ordem das necessidades imperativas e degustativas. Ei-los: Lucas Baldus, João Serenus, Rubem Focs, Cida La Lampe, Vicente Gunz, Vicente Almas, Vicente Pass, Lírio da Luz, Severus Cândido ou a Mulher da Aura Azul. Publico livros desde 1980, mas o primeiro texto assinado, inaugural, no então Suplemento Literário do Minas Gerais, foi no já distante ano de 1975.Ganhei dois prêmios nacionais de literatura, o que, no Brasil, não quer dizer absolutamente nada. Em 2008, publiquei o romance O hipnotizador, pela editora Campo das Letras, de Portugal, mesma Casa por onde lancei, em 2003, Pequeno tratado sobre as ilusões, de contos, premiado no concurso Minas de Cultura (Guimarães Rosa), de 1998. Entre fevereiro e abril de 2008, escrevi Fritz, um Quixote irresistível, perfil biográfico do poeta e ensaísta Fritz Teixeira de Salles, publicado em abril em 2009 pela Editora Conceito, de Belo Horizonte. Pela editora Dimensão, de Belo Horizonte, que já havia publicado em 2000 o meu infantojuvenil Livro de recados (de menina para menina), saiu também em 2009 outro livro para essa faixa de leitores: O nome do filme é Amazônia, finalista do Prêmio Jabuti, em 2010, quando também publiquei Maletta, pela Coleção BH. A Cidade de Cada Um, da Editora Conceito. Em 2010, fui um dos autores brasileiros selecionados pela Bolsa Funarte de Criação Literária para escrever o romance ainda inédito A conversa dos livros na biblioteca do mágico. Em 2012, publiquei novamente pela editora Dimensão o infantojuvenil Bilhetes viajantes. Tenho textos publicados em antologias no Brasil, Portugal e Alemanha, tanto ficção quanto poesia. Apreciei muito ter publicado em 2016, junto com Ondjaki, Ana Paula Tavares e Manuel Jorge Marmelo, o livro Verbetes para um dicionário afetivo. Saiu pela Editorial Caminho, de Lisboa, por meio deste grande editor que é Zeferino Coelho. É um livro a oito mãos com a delicadeza das memórias tecidas na afetividade. Sempre ganhei a vida com o que escrevo. Sou jornalista profissional, fui editor [jornal O Tempo], fui repórter de agência de notícias [Agência Estado, jornal O Estado de S. Paulo], fui assessor de imprensa [Fundação Clóvis SalgadoPalácio das Artes]. Hoje, em baião de dois com a minha lavoura literária, reviso, copidesco, faço lanternagens em textos alheios avariados e produzo conteúdos (reportagens, entrevistas, relatórios etc.) para a vária e diversa galáxia das expressões em palavras. Sou casado, pai de quatro filhos. Aprecio a cozinha. Lá invento até o que já foi inventado. E todos os dias, logo que amanhece, faço exalar pela casa o café que eu mesmo preparo em oferenda para as minhas crianças. Vivi na Argentina, no Peru e nos Estados Unidos, passei temporadas em Portugal e na França. Na Argentina, foi no ano de 1973, quando o horizonte era de tiroteios. No Peru, em Lima, foi em 1975, quando o lado de lá do continente, pelo Pacífico, chamava para utopias selvagens. Nos Estados Unidos, em Riverside, na Califórnia, foi no ano de 2001, quando dos aviões pelo ventre das Torres Gêmeas. Hoje moro em Belo Horizonte, cidade, para mim, mais do que tudo, imaginária. Tão imaginária que, a cada manhã, aparece uma outra cidade também de brumas no lado de lá da minha janela. Tenho absoluta convicção de que os bichos são também pessoas. E sei (e aprecio) demais da conta prosear vagarosamente com todos eles em línguas que eu invento."

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